Perdas comerciais desafiam o setor elétrico

fev. 22, 2022

Entenda o cenário e veja como as distribuidoras buscam combater furtos e fraudes.

Mercado de Energia

Perdas comerciais de energia, também conhecidas como perdas não técnicas, causam o prejuízo de aproximadamente 5 bilhões de reais aos brasileiros por ano. O valor, que é repassado ao consumidor nas faturas, representa cerca de 3% da tarifa de energia elétrica, de acordo com dados da agência reguladora ANEEL.


Fraudes nos medidores, falhas nas leituras e furtos de energia com as ligações clandestinas – conhecido popularmente como gatos – estão entre os principais motivos para o problema enfrentado pelas distribuidoras.


Apesar das perdas serem associadas às áreas de risco, lugares que as empresas não conseguem fiscalizar, de acordo com a Light, empresa responsável pelo fornecimento entre o Rio de Janeiro, Região Metropolitana e Vale do Paraíba, uma parte significativa dos furtos de energia também é realizada pela classe média e alta.


As irregularidades podem ser encontradas em condomínios, lojas de varejo e indústria. O que revela a complexidade do problema e a necessidade de soluções inovadoras por parte das utilities de energia no combate às ações clandestinas.

A origem das perdas

Perdas de energia são entendidas como a energia elétrica gerada, que passa pelas linhas de transmissão e redes da distribuição, mas que não chega a ser comercializada por motivos técnicos ou comerciais.


O sistema elétrico brasileiro é dividido em geração, transmissão e distribuição. Para chegar às residências, comércios e indústria, a energia elétrica percorre um longo trajeto. E, por isso, perdas técnicas são consideradas inerentes ao fornecimento.


No caminho da energia, a dispersão ocorre no transporte, na transformação de tensão e mesmo na medição em decorrência das leis da física. Como exemplo, um dos principais motivos de perdas técnicas hoje se dá pela conversão de energia elétrica em energia térmica – o efeito Joule. Devido à extensão territorial do país, e consequentemente da rede, parte da corrente elétrica, que passa pelos fios condutores, transforma-se em calor.


A energia que chega às distribuidoras e depois é faturada pelos consumidores não é, portanto, a mesma. Porque além das perdas técnicas, há ainda a perda não técnica (comercial), provocada por práticas ilegais, erros de leitura, assim como problemas na medição e no faturamento.

As perdas comerciais são calculadas pela diferença entre as perdas totais e as perdas técnicas. Segundo relatório da Aneel de “Perdas de energia elétrica na distribuição”, essa redução da energia final entregue está associada à gestão da concessionária, às características socioeconômicas e aos aspectos comportamentais das áreas de concessão.


Em 2018, as perdas totais representaram cerca de 14% do mercado consumidor. Valor que equivale ao consumo de energia elétrica das regiões Norte e Centro-Oeste em 2016.

“Em 2018, as perdas totais representaram 14% do mercado consumidor. Valor que equivale ao consumo de energia elétrica das regiões Norte e Centro-Oeste em 2016.” ANEEL

As perdas comerciais são distinguidas em perdas não técnicas reais e regulatórias. Enquanto que os valores regulatórios são reconhecidos na tarifa de energia, os valores reais são os que efetivamente ocorrem. A diferença do custo entre o valor regulatório e o real é de responsabilidade da concessionária.


As empresas só podem, assim, repassar aos consumidores os custos das perdas não técnicas, levando em consideração os limites das metas regulatórias direcionadas pela Aneel.


A agência reguladora define qual a parcela de perdas não técnicas de energia que poderá ser repassada à tarifa na busca por um equilíbrio entre a sustentabilidade financeira da distribuidora e as despesas dos consumidores que pagam corretamente as contas.


Já a fiscalização do cumprimento das metas é feito pelo Ministério Público Federal com o objetivo de viabilizar a modicidade tarifária e a melhoria da qualidade do serviço.

A geografia do furto

Grande parte das perdas comerciais ocorre no mercado de baixa tensão faturado, com destaque para o residencial. Por essa razão, a Aneel homologa as perdas sobre esse mercado, que é menor que as perdas reais, conforme é possível ver no relatório do ano passado, com ano base de 2018.


Para estabelecer uma forma de comparação entre distribuidoras, que atuam em regiões com características completamente distintas, a Aneel desenvolveu uma metodologia que leva em consideração características do mercado e variáveis socioeconômicas como: renda, desigualdade e violência.


Dessa forma, o relatório da Aneel apresenta a participação das perdas não técnicas em relação às concessionárias. Segundo a análise, em 2018, as 15 distribuidoras com maiores perdas comerciais representaram quase 80% das perdas não técnicas do país. Somente Light e Amazonas Energia responderam por 31%.

Apesar da metodologia da Aneel ajudar no esclarecimento de comparações entre as perdas, a aplicabilidade do raciocínio encontra desafios. Como no caso, da Light e Enel, que atuam no estado do Rio de Janeiro, marcado pelo contraste populacional.


A exemplo, a atuação dessas empresas em áreas de baixo índice de homicídios, mas dominadas por tráficos e milícias. Grupos de crime organizado incluem no portfólio de negócio a venda de ligações clandestinas de energia elétrica, cobrando valores fixos à população local.

Grandes prejuízos absorvidos pelos consumidores com a cobrança de tarifas mais altas e pelas empresas de distribuição, que precisam pagar seus custos, recebendo ou não o pagamento dos clientes.


Em um esforço de tangibilizar uma metodologia que dê conta das dificuldades de manutenção e operação das áreas de concessão, a Light segmentou o mercado em Áreas Possíveis (AP) e Áreas com Severas Restrições Operativas (ASRO).


A primeira área diz respeito aos locais onde são possíveis o controle e faturamento normal, enquanto a segunda refere-se aos lugares, onde há dificuldade no combate às perdas comerciais.

As perdas não-técnicas de energia no mercado de baixa tensão da Light, principalmente de clientes residenciais, somaram 47,2% da carga no trimestre encerrado em março, maior nível desde ao menos o final de 2015, segundo dados da empresa. A Light apontou que 55% das perdas foram em áreas de risco.


“A situação no Rio vem se deteriorando, o que implica num desafio ainda maior para nós em perdas e arrecadação… mas ainda há muito trabalho a ser feito naquilo que chamamos de áreas possíveis, onde o nível de perdas é de 16% da carga-fio, ainda alto comparado a outras concessões”, afirmou a presidente da Light, Ana Marta Veloso, em reunião.

O problema da inadimplência

Somadas às perdas comerciais, a inadimplência também impacta as empresas de distribuição. De acordo com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, como reflexo da pandemia de coronavírus, a inadimplência dos consumidores chegou a 12% em maio, 4 vezes a taxa, que gira em torno de 3%.


“Já temos contabilizada, para as distribuidoras, uma perda de R$ 1,8 bilhão. Os números realmente são impressionantes”, afirmou o ministro.


Em um cenário comum, para que as distribuidoras cumpram suas responsabilidades e tenham expectativa de lucro, elas trabalham com uma margem de preço para arcar com as diferenças entre montante de energia faturado dos consumidores e o adquirido dos gerados.


Mas com a crise da Covid-19, a Agência Nacional de Energia Elétrica adiou reajustes tarifários e proibiu o corte no fornecimento de energia por inadimplência durante três meses, ou seja, até o fim de junho.


Como medida para atenuar os prejuízos, a Aneel autorizou o repasse de recursos de fundo, no valor de R$ 1,475 bilhão, às distribuidoras para garantir a liquidez no setor.

Ações no combate a fraudes e furtos

Além dos prejuízos financeiros, furtos e fraudes oferecerem riscos à sociedade. Ligações clandestinas sobrecarregam transformadores, que podem causar acidentes na rede elétrica, como explosões e incêndios.


E nem tudo é gato. Apesar do protagonismo, o felino caracteriza o furto de energia por meio de ligações clandestinas na rede de distribuição ou by-pass (desvio) do medidor de energia elétrica. Já a fraude (estelionato) é a manipulação do medidor (relógio de energia).


Tanto o furto quanto à fraude de energia elétrica são crimes previstos no Código Penal, artigo 155 e 171, respectivamente. A pena é de um a quatro anos de reclusão. Além da cobrança de valores retroativos referente ao período fraudado acrescidos de multa.

A medição inteligente

O setor elétrico vem investido em ações de fiscalização no combate às perdas comerciais. Uma das principais tecnologias é smart meter, o medidor inteligente de energia. O dispositivo eletrônico possibilita a gestão dos dados de consumo, beneficiando clientes e empresas no controle.


De forma automática, os medidores capturam informações sobre o consumo de energia elétrica e transmitem direto para as companhias elétrica. As medições rápidas, precisas e sem barreiras físicas solucionam o problema das visitas de funcionários em áreas de risco ou mesmo durante a crise do coronavírus para realizar a leitura dos relógios.


Além disso, o smart meter pode interromper ou restabelecer a energia remotamente, dispensando o deslocamento de uma equipe de técnicos para estas operações. O que torna a operação mais ágil e barata.


Com os medidores inteligentes, as concessionárias podem também realizar o mapeamento do perfil de consumo e identificar atitudes suspeitas, tornando-se uma importante arma contra crimes.

Tecnologias inovadoras, como smart meter, assumem importante papel na modernização do setor, possibilitando equidade dos custos, redução do consumo irregular e melhorias na qualidade do fornecimento.


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